Vinte e sete anos depois de ter escrito uma das páginas mais marcantes do corta-mato português, Mónica Rosa regressa às memórias de um dia que mudou a sua carreira: 14 de dezembro de 1997, data em que conquistou a medalha de prata júnior no Europeu de Corta-Mato em Oeiras — a primeira edição da competição realizada em Portugal e também o primeiro ano em que a prova integrou oficialmente o escalão de juniores.
Às portas do Campeonato da Europa de Corta-Mato Lagoa 2025, que curiosamente se disputará na mesma data, 14 de dezembro, voltamos atrás no tempo para revisitar emoções, desafios e simbolismos desse momento histórico quando tinha 19 anos. Entre recordações vivas do percurso, da preparação feita em Mafra e da ambição que trazia consigo, Mónica Rosa reflete também sobre o impacto que essa medalha teve no seu trajeto desportivo e sobre o presente do atletismo português, numa altura em que uma nova geração luta para conquistar feitos à altura do passado.
O que se recorda do dia 14 de dezembro de 1997, dia em que conquistou uma medalha de prata no escalão juniores do Europeu de Corta-Mato, em Oeiras?
Recordo-me de tudo. Porque já tínhamos visto o percurso e havia grandes expetativas tendo em conta que treinava ali… e eu tinha bem assente o que é que queria fazer. Lembro-me de termos feito um estágio e de passarmos ali no percurso – não exatamente no mesmo porque ainda estava em conclusão, mas ao lado – e lembro-me daquilo que dissemos na equipa, da forma como falamos, de todo o trabalho que foi feito em termos de equipa, seja por parte da Federação, das colegas ou dos treinadores. Mas também me recordo de todo o trabalho anterior, com o meu treinador em Mafra. Fiz a maior parte dos treinos na mata militar e já aí sabia bem o meu foco e o que é que queria fazer. Eu queria muito ser medalhada. Porque era a primeira vez que o Europeu se disputava em Portugal e queria dar essa medalha ao País.

E esse ano, 1997, foi precisamente a primeira vez que se disputou o escalão de juniores, ou seja, tudo se conjugou…
Exato, foi o primeiro ano do escalão de juniores. Era a única oportunidade que eu tinha, porque era o meu último ano de júnior e tendo essa oportunidade de o fazer no meu País… não há palavras para descrever o que aconteceu, todas as sensações vividas desde o tiro de partida. Sabia que tinha de ir na cabeça da corrida, e lembro-me perfeitamente de que sabia qual era o ponto estratégico do percurso, que tinha uma subida muito difícil. Mas só tinha uma coisa em mente e desliguei de tudo o resto, só ouvia o meu treinador e nada mais. O foco no objetivo foi total.
Sentiu alguma pressão extra por ser em Portugal, perante o nosso público, ou isso motivou ainda mais?
Eu gosto de correr em casa. Participei em algumas competições por cá que são muito conhecidas, como o Cross Torres Vedras, o da Amora. Claro que aqui era outra dimensão, porque se tratava de um Campeonato da Europa. Mas isso motiva o atleta, saber que há muitas pessoas do lado de fora a apoiar e que estão a incentivar. Embora, como disse, eu lá dentro focava-me naquilo que iria fazer, que era o meu trabalho, que era aquilo que eu queria e só ouvia mesmo a voz do meu treinador. Não via mais ninguém. O meu irmão andava do lado de fora e só quando eu fui para o pódio é que reparei nele, tal era a determinação do que queria fazer.
Que significado tem hoje essa medalha conquistada em 1997?
Tem muito, por ter sido a primeira, por ter sido em Portugal e a medalha é muito bonita. Foi o meu primeiro grande feito a nível Internacional e isso foi um bocadinho o arranque para depois outros resultados que se concretizaram. Mas também tinha ali como objetivo dar motivação a outras atletas, para continuarem a acreditar nelas, como depois veio a acontecer com a Inês Monteiro e com a Jéssica Augusto, em que eu estive presente nas medalhas que elas venceram, dando continuidade ao que eu também tinha feito. E isso foi fantástico.

Como era feita a preparação na altura para este tipo de competições?
Eu sou de Mafra – onde estou a viver neste momento, voltei para a minha terra – e eu treinava dentro do quartel militar, que foi sempre a minha segunda casa, e tínhamos a possibilidade de poder treinar no pinhal dentro da Tapada de Mafra. Ou seja, todo o meu percurso foi feito a treinar ali, dividido com o Parque Desportivo de Mafra. Entre o trabalho de rampas, o trabalho específico de séries, a corrida, e durante este período era preparar muito a parte emocional do que queria fazer, evitar que acontecesse alguma lesão, prevenir para que corresse tudo bem. Depois, também nunca disse o que é que queria fazer, porque lançar alguma coisa antes, podia alguma coisa correr mal… mas eu tinha uma certeza – que não sei de onde vinha – que ia ser medalhada. Guardei sempre isso para mim, era entre mim e o meu treinador, mas tínhamos essa convicção que isso iria acontecer. Até há uma história muito engraçada com o professor Bernardo, que era um dos responsáveis da altura na Federação, que ele a dada altura da competição dizia ao meu treinador para eu não ir na cabeça da frente, para me tentar resguardar, ao que o meu treinador respondeu que eu ia ali até ao fim. Portanto, nós tínhamos a certeza absoluta do que é que ia acontecer. E aconteceu!

Que experiência lhe deu para o que se seguiu na sua carreira?
Comecei a correr com dez anos, na escola e estive dez anos para chegar ao alto nível, subindo os degraus um de cada vez até chegar ao Campeonato da Europa. Mas queria muito ser atleta de alta competição. Era um sonho que eu tinha desde miúda e isso foi o arranque, porque também tínhamos atletas em Portugal que nos serviam de inspiração e que nos davam motivação todos os dias quando havia coisas menos boas. Esse campeonato deu-me motivação para continuar e querer fazer outras coisas.
O Campeonato da Europa Lagoa 2025 vai ser precisamente na mesma data em que aconteceu o Oeiras 1997, 14 de dezembro. Acredita que pode também ser um ano positivo para os atletas portugueses?
É uma data de que nunca me esqueço, que recordo com emoção, e este ano sendo o Europeu no mesmo dia e também cá em Portugal espero que as coisas corram bem para o nosso País. E vai correr de certeza porque nós temos atletas com capacidades magníficas e é um orgulho enorme sentir que o nosso atletismo continua a dar frutos.
Como analisa esta nova geração de atletas, entre elas a Mariana Machado, que já ganhou medalhas como júnior, como sub-23… Acha que alguém pode chegar às medalhas em Lagoa?
Eu acho que está sempre tudo em aberto. A Mariana… eu conheço a Mariana desde os 11 anos, porque tive o prazer, no início da minha carreira, ainda muito novinha, de conhecer a mãe dela. Tive a sorte de apanhar ainda toda essa geração de ouro, e acho que a carreira da Mariana tem sido de grande evolução. Seria maravilhoso nós termos uma Mariana ou qualquer outra atleta a levar uma medalha ao peito e subir ao pódio. Ainda mais sendo em Portugal, seria maravilhoso. Eu já senti isso na pele e sei o quanto é difícil, mas seria mesmo magnífico.
Que conselhos costuma deixar aos mais jovens, que agora começam a dar os primeiros passos nesta modalidade?
Eu sou treinadora de Atletismo e os conselhos que costumo deixar aos mais pequeninos, é para eles não se desmotivarem, não baixarem os braços nunca. Todos os dias, quando estou com eles, procuro incutir-lhes de que, independentemente dos resultados que possam ser menos bons, há sempre uma oportunidade se se trabalhar, dando continuidade ao que se está a fazer. E um dia, o fruto desse trabalho vai sorrir para nós. É muito isso, se continuarmos a trabalhar, focados e com determinação naquilo que queremos, os resultados surgirão. Isso é o principal, nunca deixar de acreditar.