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A Federação Portuguesa de Atletismo realiza no próximo dia 26 de novembro a 100ª edição dos Campeonatos Nacionais de corta-mato (a versão masculina, pois a versão feminina conhecerá a sua 57ª edição). A prova terá lugar no mesmo local do ano passado, Quinta Maria Pires, em Amora (Seixal).
Esta é uma das mais antigas competições nacionais devidamente estruturadas, antecede mesmo a criação da Federação Portuguesa de Atletismo. Contudo, foi a terceira variante da modalidade a ser introduzida em Portugal. No final do século XIX já se organizavam equipas pedestres e no princípio do século XX conhecia-se as provas de “pista”, se assim se podem chamar.
Mas o corta-mato, essa “invenção” britânica no século XIX, apesar de já conhecer provas internacionais (o antecessor do Cross das Nações começou em 1903) e de ter dado primeiro passo na competição feminina, em 1915 (na França), ainda não tinha sido disputado em Portugal.
Várias figuras tentavam fazer vingar a ideia, mas só em 1911 isso veio a suceder, muito po via da Liga Sportiva e uma Comissão de Sports Athleticos, constituída por Cândido Silva, Augusto Sabbo e João Lopes de Figueiredo, que tomou mesmo a iniciativa de realizar a primeira corrida de “cross-country” em Portugal.
O entusiasmo foi tão grande que, mesmo com taxas de participação de 2$50 escudos, por atleta individual, e 10$00 escudos, por equipa [um valor elevado para a época, quase proibitivo], a prova reuniu muitos participantes (48) e foi assim relatada no Sports Illustrados de maio de 1911:
“Foi brilhantíssima a primeira corrida de cross-country que se realizou em Portugal, oficialmente organizada.”
“O primeiro concorrente a chegar ao alto do monte, foi Mathias de Carvalho que num belo passo trepou a primeira encosta, mas a passar o obstáculo que era formado por um charco, despistou-se tendo de voltar atrás para seguir a pista marcada. Lázaro e Fernandes que o seguiam de perto, tomaram a dianteira. (…) Os três queriam o primeiro lugar e a encosta que se seguia a esse monte, a azinhaga até ao Campo Grande e a estrada do Campo à entrada da azinhaga dos Frades foi percorrida pelos três, que já então se tinham distanciado dos restantes concorrentes. (…) Essa luta foi emocionante até à meta da chegada, que foi alcançada em primeiro lugar por Francisco Lázaro do Sport Lisboa e Benfica, seguido de perto por Augusto Fernandes do mesmo clube e Mathias de Carvalho, do Sporting Clube de Portugal.”
Os elogios à competição não se ficaram por aí e o cronista chegou mesmo a dizer que uma prova de corta-mato se incluiria no programa dos Jogos Olímpicos Nacionais. Porém, apesar de muito tentarmos, não foi possível confirmar essa presença da prova nos ditos Jogos, nesse ano, só viria a acontecer no ano seguinte.
O entusiasmo gerado durou apenas mais dois anos. Em ano de Jogos Olímpicos, 1912, o vencedor foi Mathias de Carvalho e em 1913 Germano Garcês foi o terceiro campeão nacional.
Os difíceis anos que se seguiram, com as convulsões e a primeira Grande Guerra Mundial, levaram a que a prova estivesse interrompida até 1922, um ano depois da criação da Federação Portuguesa de Sports Athleticos.
Nacionais femininos 66 anos depois…
Como noutras áreas, o crosse feminino surgiu mais tarde e, também, como no caso internacional, conheceu umas “tentativas”, esporádicas, anos antes.
É ainda nos anos 30, mais concretamente em 1936, que se relata, no Diário de Lisboa, de 19 de janeiro: “Disputou-se esta manhã, pela primeira vez no nosso país, um ‘cross-country’ feminino, organizado pelo Belenenses para as suas associadas.” A prova correu-se na zona exterior da pista das Salésias, na distância aproximada de 700 metros, com a presença de seis atletas: Lucília Silva, que venceu, em 2m30s, seguida por Elísia Rio, Cremilda Lima, Maria de Lourdes Rio Simões, Maria Júlia Silva e por Hermengarda Lima.
Apenas em 1965 as provas femininas em corta-mato começaram a ser faladas e organizadas. Em 14 de fevereiro de 1965, paralelamente ao corta-mato dos Dez, famosa competição lisboeta, disputou-se o “primeiro” cross para senhoras. Ausentes as benfiquistas, destacam-se as presenças de atletas do Sporting e do Vitória de Setúbal, com as lisboetas a imporem-se por esse grande nome do atletismo feminino, Eulália Mendes (excelente quatrocentista), que venceu num percurso de 1000 metros com a marca de 3m14,4s, derrotando Francelina Anacleto (grande especialista em provas combinadas) e Maria Sacramento.
Duas semanas depois, nos terrenos anexos ao Estádio da Luz (mas ainda sem benfiquistas), Eulália Mendes repetiu a dose, nos 1300 metros, gastando o tempo de 5m34s, numa prova com sete atletas, na qual Francelina Anacleto desistiu.
Mais uma vez se ficaram por aqui as provas de corta-mato, até que em 1967, a Federação Portuguesa de Atletismo decidiu promover a realização do primeiro campeonato nacional feminino, que se realizou em Lisboa.
Curiosamente, no mesmo ano em que o Crosse das Nações organiza, oficialmente, a primeira prova feminina no programa.
Regressando a Portugal, para darmos conta do primeiro Campeonato Nacional Feminino, que registou a presença de 17 atletas, em representação de quatro clubes (Sporting, Benfica, Sporting de Espinho e Santa Clara). A prova decorreu num circuito de uma volta de 1500 metros, onde surgiu, fulgurante, a benfiquista Manuela Simões, que cortou a meta ao fim de 5m24,8s, deixando a segunda classificada, a sua colega de equipa Fernanda Pinto, a cerca de seis segundos. Subiu ao pódio a conimbricense Maria de Fátima Tavares (Santa Clara).
Artigo elaborado com base em excertos do livro “Crosse 100 – história do corta-mato em Portugal”, a ser editado precisamente na 100ª edição dos Nacionais de corta-mato.
A 100ª edição dos Nacionais
As inscrições para esta edição memorável dos nacionais, que se realizarão em Amora, conjuntamente com a 33ª edição do Corta-Mato Cidade de Amora e com a 1ª edição do Torneio Interassociações para atletas Sub-16, devem ser feitas até ao dia 20 de novembro, através da plataforma FPA Competições (https://www.fpacompeticoes.pt/137/associacao).
Os Campeonatos Nacionais integram as provas para atletas sub-18, sub-20, seniores, sub-23 e veteranos, tendo ainda uma estafeta mista.
Mais informações, com regulamento e resumo estatístico, estão editadas na página oficial da Federação Portuguesa de Atletismo (https://fpatletismo.pt/geral/2023/10/campeonatos-nacionais-de-corta-mato-longo-2/).
(Foto: Francisco Lázaro e Augusto Fernandes, dois primeiros do crosse em 1911, reprodução da gravura no “Sports Illustrados” de maio de 1911)