Diário de Paris – dia 1: O dia não começou muito bem, com o atraso das competições em meia-hora, devido às condições climatéricas, com uma forte chuvada. Depois veio o calor, já abrasador perto das 9h50, hora de início dos 20 km marcha femininos. No Trocadero, frente a frente com a Torre Eiffel, o percurso estava desenhado ao longo do Sena, atravessando a Ponte de Iéna. Depois da competição masculina, com um pódio Ibero-americano, triunfo de Brian Pintado (Equador), com 1h18m55s, seguido de Caio Bonfim (Brasil), com 1:19.09, e do espanhol Álvaro Martin, com 1:19.11, veio a prova feminina, com duas atletas portuguesas, Ana Cabecinha, para cumprir a sua quinta presença olímpica, e Vitória Oliveira, que se estreava na competição, ela que foi a 42^ª atleta na qualificação para Paris.
Logo desde o início as duas atletas posicionaram-se de acordo com o seu estado de forma. Vitória Oliveira num grupo menos rápido, fora da luta pelas medalhas, e Ana Cabecinha apenas em ritmo para terminar a competição.
Lá na frente, na luta pelas medalhas, a recordista mundial, Jiayu Yang (China) cedo ganhou larga vantagem, que chegou a ser de mais de um minuto, terminou em 1h25m54s, o seu melhor do ano, com 25 segundos de vantagem sobre a espanhola Maria Perez (1:26.19, a sua melhor marca do ano), com a australiana Jemima Montag a conquistar o bronze, em 1:26.25 (um recorde da Oceânia).
As portuguesas continuaram o seu caminho e Vitória Oliveira terminou na 35ª posição, em 1:36.22 e depois da meta ficou à espera de Ana Cabecinha, que cumpriu os seus últimos 20 km em 1:46.30, com uma ovação especial de todo o público em toda a reta final!
À zona mista chegaram ambas satisfeitas com os seus resultados. “Quando cá chegamos, queremos sempre mais e melhor, como é óbvio, trabalhamos para isso”, afirmou Vitória Oliveira. “O primeiro balanço, acima de tudo é positivo, sinto que cheguei com mérito, sou atleta olímpica, é a minha estreia. Houve um momento em que me comecei a sentir mal, fruto da ansiedade da competição e da temperatura que se fazia sentir, acho que enquanto competição olímpica o percurso podia ser melhor, é o pior que levo daqui. Estou feliz por terminar a minha estreia olímpica, pois ainda tenho muito para aprender, apesar de tudo o que de bom tenho aprendido com a Ana que termina hoje a sua carreira”, disse Vitória Oliveira, que no final estava muito emocionada com a sua compatriota, afirmando ainda que “é sempre um prazer ver a Ana a competir. Ela ensinou-me muito, posso dizer que mais de metade do caminho até aqui foi graças a ela, sempre com a palavra certa”.
A seu lado Ana Cabecinha, ouvia, igualmente emocionada. “Eu sempre disse que queria acabar a minha carreira em Paris. Não nestas condições, como é óbvio, pois queria estar a lutar no grupo das medalhas, mas o destino quis que eu acabasse de outra forma, eu aceitei, e estou muito feliz de não ter baixado os braços, estou muito feliz de ter um bebé em casa que me tem deixado treinar e descansar, houve dias maus, é um recém-nascido, mas estou muito feliz, é a melhor medalha que uma mulher pode ter. E terminar a minha carreira aqui, com toda a minha família e o filhote na parte de fora, é melhor do que eu sonhei”, afirmou a atleta e, confrontada com os fortes aplausos no final, afirmou que “parecia que eu tinha ganho a prova, foi maravilhoso. Só tenho de agradecer a todos os fãs da marcha que me apoiaram muito, ao longo do percurso, e é bom saber que a minha carreira valeu a pena, deixar a marca na marcha valeu a pena e que estes 28 anos de competição valeram a pena. Por isso estou muito feliz”, concluiu.
Uma carreira de sucesso
Ana Cabecinha terminou em Paris uma carreira de 28 anos de conquistas. Foram muitas as provas, internacionais e nacionais, em que demonstrou toda a sua classe e valia.
Atingiu classificações de finalista em três Jogos Olímpicos (6ª em 2016, 6ª em 2012 e 8ª em 2008), quatro Campeonatos do Mundo (4ª em 2015, 5ª em 2011, 6ª em 2017 e 7ª em 2013 – e foi 9ª em 2019) e quatro Campeonatos da Europa (6ª em 2014, 7ª em 2010 e 8ª em 2018 e 2022).
Nas Taças da Europa foi segunda em 2017 e terceira em 2023. Sagrou-se campeã ibero-americana em 2006 e 2010 (segunda em 2004, terceira em 2022). É a recordista nacional 10000 m, 20 km, meia-hora e 3000 m (pista curta) e sagrou-se 34 vezes campeã de Portugal em 20 km estrada (11), 10000 m pista (12) e 3000 m pista coberta (11, das quais 9 consecutivas), além de mais cinco títulos nacionais juvenis, 6 juniores e 9 sub’23.