Crónica do desconforto em Sapporo

Notícias TÓQUIO 2020

3 Ago, 2021
Sapporo_grupo

Faltam poucos dias para se realizarem as provas de marcha atlética e de maratona nos Jogos Olímpicos de Tóquio 2020. Atendendo aos exemplos recolhidos pelos dados de participação dos atletas nos Mundiais de 2019, em Doha, no Qatar, o Comité Olímpico Internacional e o Comité Organizador Local decidiram colocar as provas de distâncias longas na cidade de Sapporo, capital da ilha mais a norte (Hokkaido) do território nipónico, estatisticamente mais favorável, em termos de condições climatéricas, que a cidade anfitriã de Tóquio.

Contudo, esta decisão de levar as provas de longa duração para 900 km a norte de Tóquio, nunca foi pacífica na altura nem nos tempos mais recentes. Primeiro, porque se afastava do centro de competição, a base mítica dos Jogos, em que a maratona masculina fechava as competições, com chegada em pleno estádio olímpico, antes da cerimónia de encerramento. Depois, porque a ilha de Hokkaido e, especialmente, Sapporo têm dos índices mais elevados de transmissibilidade do Covid 19 com a vacinação da população numa taxa muito baixa. Terceiro, porque este ano têm ocorrido vagas de calor das mais altas dos últimos 21 anos (de acordo com o “The Washington Post”).

Isto levou a que fosse proibida a presença de público estrangeiro ao longo do Sapporo Odori Park, zona onde se realizarão as provas de maratona, 20 e 50 km marcha. Contudo, com a base de incidência a aumentar, também o público local é aconselhado a não assistir no local às provas, o que dá ainda mais uma sensação de “desterro” para algumas das provas mais icónicas e místicas do programa olímpico.

Como se não bastasse, a organização não facilita em absoluto e falhou bastante nas condições que está a disponibilizar às centenas de atletas (e treinadores) que estão em Sapporo. Disso já se referiram o marchador Tom Bosworth (Grã-Bretanha), no seu tweet, perguntando se na semana da competição “será servida alguma comida, não “lama fria”, cebola cozida no vapor ou macarrão parcialmente cozido (citado pelo “The Guardian”), e o meio-fundista neozelandês Zane Robertson (citado pelo site “Stuff”), “parece que estamos numa prisão, num pequeno espaço onde marchadores e maratonistas têm de treinar”!

A delegação portuguesa em Sapporo, toda do atletismo, também tem largas queixas da situação que encontraram, referindo que a comida, efetivamente, tem sido um problema, “mas as constantes reclamações de toda a gente levaram a melhorar um pouco”, confirmou Rui Ferreira, o treinador das maratonistas Salomé Rocha e Catarina Ribeiro.

Todas as delegações têm de treinar num espaço reservado pelas autoridades, numas antigas instalações do Jogos Olímpicos de Inverno (1972), agora “meio” abandonadas, com muito entulho e erva a crescer por todo o lado. Uma zona cimentada com cerca de 400 metros e um circuito externo de 900 metros servem para todo o trabalho dos atletas. “Não é muito fácil gerir a situação, até porque as condições e estado do piso levantam muitas objeções e até são propicias a lesões”, disse Rui ferreira que fala da vigilância apertada, “temos de sair do hotel diretamente para a porta do autocarro que nos leva aos treinos. Se tentarmos dar a volta ao autocarro vem logo a segurança, muito hostil, a levar-nos ao caminho idealizado por eles”.

Mas as apreensões dos técnicos e atletas portugueses prendem-se com outras questões mais práticas. “Não temos solução de comunicação e nem nos deixam ir reconhecer o percurso”, disse Rui Ferreira, , que refere que os japoneses são pacientes, ouvem, sem objeção, as críticas e no final… dizem não! Não fogem um milímetro do planeado.

Por isso existe alguma apreensão com o processo dos abastecimentos aos atletas já que não há pessoas suficientes para estarem em todos os postos. “Vamos fazer alguns sacrifícios, ajudaremos na marcha, eles ajudar-nos-ão na maratona, mas vão ser momentos muito difíceis. Já nos disseram que os atletas saem doi hotel duas horas antes da partida e esse será o último momento em que falaremos com eles até ao posto de abastecimento que nos calhar, de onde não poderemos sair até ao final”, refere o treinador, preocupado com as comunicações e com a forma como vão acompanhar a competição. “Não temos comunicação entre nós, não nos deixam sair para comprar cartões de telemóvel u outra forma de comunicação e tivemos de recorrer a um amigo do Paulo Murta que só nos consegue fazer chegar uns routers na véspera da prova”, lamenta-se Rui Ferreira. Em Sapporo apenas estão os atletas (João Vieira, Ana Cabecinha, Sara Moreira, Salomé Rocha e Catarina Ribeiro), treinadores (Rui Ferreira, Vera Santos, Carlos Monteiro e Paulo Murta), a fisioterapeuta (Flávia Souza) e o fisiologista (Amândio Santos).

As provas em Sapporo, previstas para os três últimos dias de competição, serão os 50 km marcha masculinos (a partir das 21.30 horas de quinta-feira, em Portugal), os 20 km marcha femininos, às 8h30 de sexta-feira, e a maratona feminina, a partir das 23 horas de sexta-feira.

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