O auditório do atmosfera m – local onde até 20 de novembro está patente a Exposição do Centenário da Federação Portuguesa de Atletismo (FPA) – voltou a receber as Conversas do Centenário. Esta tarde foi a vez dos treinadores Carlos Silva e Rui Norte abordarem o tema “Dos confinamentos obrigatórios aos recordes de Portugal de Cátia Azevedo e Lorene Bazolo”.
Carlos Silva, treinador de Cátia Azevedo há 14 anos, começou por identificar as principais preocupações vividas na preparação de uma atleta que este ano acabou por bater novamente (depois de 2016 e de 2019) o recorde de Portugal dos 400 metros. Com a criatividade a fazer já parte das rotinas antes da pandemia, Carlos Silva disse não ter dúvidas de que só foi possível ultrapassar os obstáculos trazidos pela Covid-19 “com muita competência como pessoas e como profissionais”.
No que a Lorene Bazolo (que também bateu o recorde de Portugal dos 100 metros em 2016 e 2021, ano em que bateu também o dos 200 metros), diz respeito, o seu treinador desde há seis anos, Rui Norte, começou por descrever o impacto da pandemia na sua preparação para os Jogos Olímpicos. “Foram seis meses sem local para treinar, período durante o qual fomos procurando sítios ao ar livre para, por exemplo, fazer rampas e, com o apoio da FPA, foi possível ter algum equipamento em casa da Lorene. Embora soubéssemos que o adiar dos Jogos era uma possibilidade, trabalhámos para que, caso se mantivessem, estarmos preparados. Hoje, olhando para trás, acredito que o facto de os Jogos terem sido adiados e, com isso, termos tido mais um ano, permitiu que a Lorene atingisse a plenitude e alcançasse os resultados que conseguiu”, resumiu Rui Norte.
O tempo trazido pela pandemia foi, para estes técnicos, um fator coadjuvante para os resultados obtidos por estas atletas. “Não sei se será tanto pela possibilidade de escolha cirúrgica das competições, mas certamente terá tido influência o facto de haver mais tempo para refletir sobre as questões. Os treinadores nacionais uniram-se e criaram-se momentos de formação, discussão e reflexão, para os quais não haveria tempo de outra forma”, defendeu Rui Norte.
Motivo de reflexão é também para estes treinadores a forma como atualmente é realizada a qualificação para os Jogos Olímpicos em provas internacionais, portanto, para atletas sem marca de qualificação direta, já que “o sistema as obriga os atletas a estar sempre a provar que são competentes”. “Em 20 dias a Lorene competiu quatro vezes e no último dia conseguiu ficar dentro da cota nos 200 metros, distância na qual andou sempre fora e que acabou por ser aquela que depois a levou à final em Tóquio”, exemplificou Rui Norte. Carlos Silva acrescentou: “Posso também dar o exemplo da Vera Barbosa, que fez mais competições internacionais do que a Cátia e ficou a dois lugares do apuramento por ranking.” Em suma, “tens de estar sempre a ver as oportunidades e optar por ciclos mais curtos”, disse Carlos Silva, que defendeu que o ideal era “ir para o centro da Europa e ficar lá o tempo suficiente para fazer três ou quatro competições”.
Falando especificamente de treino, a conversa levou Rui Norte a partilhar como se batem recordes nacionais aos 38 anos. “Apesar de a Lorene ter praticado atletismo na escola, a verdade é que na sua juventude teve alturas em que não praticou desporto, tendo voltado mais tarde. Ou seja, a Lorene tem poucos anos de alto rendimento. A mudança passou por investir nos aspetos técnicos e querer mudar o padrão de movimento de uma pessoa, muitas vezes, faz com que haja um impacto não tão positivo no cronómetro. Em 2016 conseguimos o recorde nacional, mas sabia que ainda havia muito para fazer. Quem vir a Lorene a correr em 2014, em 2016, em 2018 e neste momento, ainda que não seja um especialista da velocidade, vai perceber que mudou a sua forma de correr. Também houve uma evolução naquilo que é a gestão de cargas de treino, fruto do que foi a minha exposição ao treino de atletas mais evoluídos do que estava habituado a ver; e também da consolidação da capacidade condicional da Lorene”, expôs Rui Norte.
Já no caso de Cátia Azevedo, depois de subir de centésimo em centésimo, conseguiu melhorar o seu recorde em um segundo. “Amadureceu como atleta”, justificou Carlos Silva. E concretizou: “A pandemia fez as pessoas refletir sobre o que estão a fazer e o que querem e no caso da Cátia fez com que amadurecesse, com que estivesse mais disposta e com que aprendesse a resolver os seus problemas competitivos. Houve, assim, um amadurecimento também do ponto de vista psicológico. O índice de velocidade da Cátia subiu enormemente, bem como o seu índice de capacidade e de resistência.”
Quanto ao futuro, Carlos Silva disse que não põe de parte os 800 metros na carreira de Cátia Azevedo, no entanto, adiantou que neste ciclo olímpico a aposta continua a ser nos 400 metros. No que a Lorene Bazolo diz respeito, Rui Norte antecipou que a atleta “é e será sempre uma velocista, pelo que vão trabalhar para melhorar a sua prestação nos 100 e nos 200 metros. A Lorene tem um número a atingir na sua cabeça e lutou muitas vezes no limite da sua capacidade, por isso, vai dar tudo o que tem para ser capaz de concretizar aquilo em que acredita”.